A coitada da galinha

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Eu estava preparando uma palestra sobre gestão de marcas e, durante a pesquisa de casos e exemplos bem atuais, motivei-me a escrever esta crônica sobre as galinhas. Não importa a cor (branca ou preta) e nem a origem (caipira ou d´Angola), hoje nós vamos "galinhar"!

Para que não me chamem de doido ou destemperado, vale a pena dar um contexto à história da galinha e ao tema sobre marcas. Pois bem, nos processos de construção de imagem de marcas, é fundamental a identificação dos atributos e conceitos que o público reconhece num produto, serviço ou mesmo na marca corporativa.

Sejam negativos ou positivos, os atributos estarão atrelados à marca (alguns puristas vão bater o pé de raiva se eu usar a expressão logomarca), que se desdobra concretamente em um logotipo e um símbolo. E estes dois em consonância carregam o espírito, a alma e conceitos associados aos estímulos racionais, de valores e emocionais... da marca.

Pois bem, é através de campanhas e ações bem articuladas, integrando os vários instrumentos de comunicação disponíveis, que vai sendo construída a imagem da marca, a qual deve ser aderente à performance percebida pelo cliente ou consumidor. A imagem positiva pode ser uma blindagem para problemas tópicos, mas não resiste por longo período de tempo se houver quebras de expectativas (junto ao seu público e ao mercado).

Gasta-se muita energia e criatividade para se encontrar os melhores caminhos que possam associar atributos a um elemento simbólico. Algumas vezes, esse processo nada tem a ver com a questão empresarial diretamente, mas o símbolo acaba fazendo parte do inconsciente coletivo. O pombo lembra a Paz (apesar das doenças que transmite), o cachorro lembra a Amizade e a Fidelidade (apesar do pit-bull nem sempre jogar nesse time), o cavalo remete à idéia de beleza plástica e agilidade (apesar dos pangarés), e assim por diante.

E a galinha, até hoje, tinha como um único atributo negativo a referência pouco elogiosa ao homem ou mulher que multiplica ao extremo a quantidade de parceiros, digamos assim, mais íntimos. De resto, era uma pacata e singela poedeira, cuidando com carinho dos seus pintinhos. Se bem que seu filhote crescido é o símbolo terrorista dos goleiros em dia de má sorte!

De pouco tempo para cá, descobriram outra serventia para a coitada da galinha. Que ganhou um novo status e nova imagem, a partir da excessiva exposição da mídia (com cobertura e freqüência acima de quaisquer limites ...). Diga-se de passagem, uma exposição sem custos, permutas ou negociação de espaços!

Agora a galinha é o símbolo vivo da indignação de alguém contra profissionais que tenham um desempenho questionável em suas atividades. Que o digam a galinha que atiraram na prefeita Marta Suplicy, bem como aquelas que foram jogadas no campo do Fluminense, fazendo com que o Romário desse um pique fora da agenda, para mostrar que é um galo bom de briga.

O mais triste disso tudo é que a coitada da galinha fica com a fama de incitar a confusão, pois afinal ela passa a representar o símbolo da discórdia. E, certamente, vai ser penalizada ao ficar nua, sem as próprias penas, no fundo da panela de alguém mais esperto e menos envolvido nesse "pastelão".

Daqui para a frente, uma coisa é certa. Os donos de galinheiros que se cuidem e mantenham vigilância sobre as penosas. Do jeito que o brasileiro é, ainda mais em vésperas de eleição municipal, vai ter muita gente usando a galinha para tumultuar a vida de políticos em campanha. Sejam eles defensores do galinheiro da direita, da esquerda ou do centrão.

É preciso reverter essa situação rapidamente, criando mais respeito com a galinha, apesar do atributo negativo ter grande magnitude. E fica difícil achar atributo positivo que reverta facilmente esse cenário. Ou, talvez, possamos ser criativos e adaptar um comentário perspicaz feito por alguém, um dia, em relação ao cachorro. Quem sabe a mídia não começa a escrever e repetir que "galinha também é gente?".