As duas elegantes senhoras

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No mês de Março último, ganhou destaque a polêmica sobre o direito de um protagonista de anúncio publicitário trocar a cerveja dita "Nova" pela apelidada de "Velha", segundo a concorrente abandonada. A par do que isso significou em cifrões na conta bancária do pagodeiro, o fato criou até mesmo uma discussão semântica sobre palavras como "preferir", "recomendar" e "experimentar". 

A anunciante que se sentiu prejudicada, não só recorreu a um órgão publicitário que julga princípios éticos como decidiu fazer valer os termos de seu contrato na justiça. Nesse embate, alguns podem até lembrar que mesmo um contrato de casamento, que tem compromisso mútuo de fidelidade, nem sempre é respeitado até "que a morte os separe". 

Mas isso não justifica a quebra de contratos de relacionamento comercial da forma como ocorreu nesse caso citado. Vale a pena chamar a atenção para que, independentemente do julgamento ético ou jurídico, os ganhos e perdas já se consumaram. A dimensão do fato gerou a polêmica, que deu visibilidade a uma opção do pagodeiro, e que deu muito mais mídia do que, para todos os efeitos, envolveu de investimentos em comunicação.

Em outras palavras, colocando a ética e a justiça à parte, vimos que basta fazer polêmica com nome famoso e o resultado final será um grande estardalhaço. Assim, é lícito pensar que um julgamento por perdas e danos deverá levar em conta todos esses resultados indiretos de divulgação, positivos para uma parte e negativos para a outra. Quanto a "Nova" precisará investir em comunicação para reverter a estratégia anterior?

Certamente, o pagodeiro não foi o único garoto-propaganda a ter se bandeado da "Nova" para a "Velha". Daí eu me motivei a escrever um conto. Dizem que esta história ocorreu um dia, ou melhor, pode ser que ocorra todos os dias. Quem refletir sobre ela, poderá estar criando uma excelente oportunidade de contribuir com o crescimento moral e espiritual do ser humano.

Duas elegantes e respeitas senhoras, amigas de longa data e pertencentes a famílias que se conheciam desde os mais distantes dos dias, costumavam se encontrar para atualizar a conversa e comentar sobre a vida na Terra.

Infelizmente, uma delas era cega e seu entendimento sobre as coisas era muito dependente da maneira como a amiga lhe descrevia o que se passava ao redor. A Justiça emocionava-se com as maravilhas da Natureza, a partir da descrição que ouvia, mas tinha uma frieza incomum no seu julgamento sobre a conduta das pessoas, em tudo aquilo que a Ética repudiava. 

Aliás, ambas buscavam repetir muito do que ocorrera com a postura de seus antecedentes, ao longo dos séculos. Cada vez mais, essa ligação entre elas se mostrava sólida e positiva. Tinham claro que a Ética podia ver coisas que a Justiça não conseguia, e analisava formas de comportamento das pessoas que a Justiça ainda não havia conseguido alcançar. 

Por seu lado, a Justiça era soberana e as suas decisões não havia como desobedecer. Uma interpretação possível seria ver a Ética sempre um passo a frente, podendo avaliar e registrar situações que a Justiça precisaria, ainda, de um bom tempo para conseguir estruturar e formalizar.

Um dia, por brincadeira, a Justiça disse que, graças à amiga, ela conseguia julgar as coisas erradas que acontecem em público, mas só a Ética estava pronta para analisar aquilo que se passa secretamente, fora dos muros estabelecidos pelas leis. Leis nem sempre preparadas e atualizadas para situações que ainda não foram padronizadas para um julgamento e, portanto, só a Ética é que conseguiria compreender e até punir.

A Ética respondeu que em um país localizado na América do Sul, de clima tropical e com muita música, diversidade e alegria, a Constituição estabelece que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em função da lei. E a Justiça comentou que já tinha ouvido a respeito disso, mas lá e em outros lugares, cada vez mais estavam buscando brechas na lei. E diante de muitas situações, sentia-se impotente.

Na verdade, há comportamentos das pessoas que dependem de valores que não se estabelecem em lei pois, apesar de seus esforços, a Justiça nem sempre consegue acompanhar os movimentos sociais na velocidade em que estes acontecem. Eis a razão para o grande esforço que as pessoas de bem fazem em valorizar a Ética, buscando que o relacionamento diário dos humanos seja fundamentado em confiança, lealdade, honestidade, civilidade e respeito.

Esses princípios que a Ética defende há tanto tempo, e fazem enorme diferença quando as pessoas os praticam, nem sempre podem ser imediatamente concretizados pela Justiça. Por isso, o mundo depende que as duas amigas continuem juntas, debatendo e implantando na sociedade os valores e as normas de conduta positivos.

Não menos importante, o mundo empresarial e publicitário também depende cada vez mais de pessoas que pratiquem esses mesmos valores e códigos de conduta, antes de colocarem os seus interesses egoístas e os cifrões acima do bem ou do mal.