Como o anunciante sofre

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Hoje em dia, além de suar muito para aprovar um orçamento de comunicação decente, os anunciantes e suas agências sofrem com a mídia televisiva. Eu sei que essa afirmação vai deixar muita gente indignada e com raiva, mas vou tentar mostrar a essência deste meu comentário.

A televisão aberta foi lançada em Setembro de 1950, em São Paulo, e no início de 1951, no Rio de Janeiro. Tinha uma área de cobertura limitada, mas os investimentos pioneiros da TV Tupi e da TV Record rapidamente foram abrindo novos espaços e oportunidades, depois seguidos por emissoras hoje consolidadas em grandes redes privadas, como a Globo, Bandeirantes, SBT, Rede TV (ex-Manchete) e CNT. No caminho a TV Excelsior fechou as portas mas, por outro lado cresceu a presença da área pública, através da TVE e da TV Cultura.

Pois bem, há cerca de meio século foram sendo criados programas de enorme sucesso, que mexiam com os arquétipos mais nítidos de nossa sociedade, desde as crianças até os adultos. Numa velha e ultrapassada dimensão tecnológica, os programas ao vivo e em P&B representaram uma incrível conquista e atendiam adequadamente a missão de contribuir com o enriquecimento cultural, o educacional e de valores positivos do povo brasileiro.

Entre dezenas de exemplos, vou me referir a uns poucos tais como A Praça é Nossa, Odete Lara Entrevista, Circo do Arrelia, Clube dos Artistas, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Esta é sua Vida, O Céu é o Limite, Programa Pim-Pam-Pum, O Capitão Sete, O Vigilante Rodoviário, O Repórter Esso, a era das Novelas (primeiro beijo foi em A Sua Vida Me Pertence), o TV de Comédia e o de Vanguarda, A Família Trapo e o Balança Mas Não Cai. Muitos foram os Festivais de Música, os shows inesquecíveis que lançaram artistas de uma constelação que até hoje brilha, os programas de auditório e os desenhos animados.

E quando a publicidade começou a inserir marcas, produtos e serviços em meio a essa programação, ali encontrava critérios e uma busca perseverante de levar valores e formação cultural aos brasileiros. Com o desenvolvimento do parque tecnológico, da comunicação por satélite e da televisão colorida, as perspectivas foram muito ampliadas. O espaço à criatividade cresceu de modo "fantástico", tanto que o programa que leva esse nome virou "trintão" em 2003. E o que encontramos hoje como resultado dessa explosão de oportunidades e alternativas?

Os programas infantis foram dominados pelas loiras bonitas e sensuais, sem essência e precisando de um mínimo de preparo para lidar com as crianças. O carisma é centrado na música infantil. Certos programas de reportagem ao vivo foram direcionados para mostrar as mazelas da cidade. É curioso, mas devemos citar que são três, no mesmo horário, todos cobrindo os mesmos tipos de ocorrências.

O Superpop faz desfile de lingerie feminina? Mas o Boa Noite Brasil faz de roupa de praia. O Faustão faz uma reunião em torno de uma pizza? Aí é a Luciana quem repete a fórmula. E quando o Leão faz a sua Hora da Verdade, outros lançam versões similares. Ou seja, é um mesmo modelo, só mudando o cenário e o apresentador. E olha que vale-tudo para obter alguma confissão indiscreta...

A programação de filmes parece seguir na mesma linha. A Globo programou um filme com um apelo característico (no sábado, dia 8 de Novembro, foi o Colecionador de Ossos) e o SBT programa um filme com um clima bem similar (Kalifórnia). As danadas das pegadinhas se proliferaram tanto que já nem se distingue quem mostra ou não essa praga. Da mesma forma que as tais de videocassetadas!

Quem quer inovar e não se cuida (ou não coloca freio na produção) pode ter um problema como o que o Gugu está enfrentando, e que deixou muito anunciante assustado. O Raul Gil faz sucesso com seus ótimos calouros? Então vem o Leão, entre outros, e repete o esquema. Zona geral no auditório dá audiência, como faz o Ratinho? Aí você tem o João Kleber e o Sérgio Malandro no mesmo clima!

As novelas, diga-se, disputam uma mesma faixa de horário. As mesas de debate esportivo também, sendo que no domingo à noite temos quatro concorrendo entre si. Hoje em dia, até o horário dos humorísticos ficou pasteurizado, como mostram A Praça é Nossa e o Zorra Total. Quero lembrar que, com jeito bem bagunceiro de ser, o Chacrinha, o Bolinha e o Pagano Sobrinho criaram programas de entretenimento com diferenciação de filosofia, formato e conteúdo. E em horários distintos... 

Nem vale a pena enumerar a quantidade de programas de entrevistas, em todos os canais. Seja no estilo Talk-Show ou com convidados em torno de mesas postas à boteco ou bar, fica difícil escolher o melhor programa. Mesmo porque a seleção de convidados também varia muito pouco. Enfim, a luta pela audiência chegou a tal ponto que, surpresa, até a Globo mandou que se ajustasse melhor o palavreado da nova novela das oito (seria melhor atualizar para o horário real, ou seja, das nove). A adrenalina da produção para alcançar mais impacto e interesse estava se aproximando da baixaria!

A premissa institucional de que a televisão deve investir numa programação baseada em cultura e educação, como forma de contribuir na formação da sociedade, foi totalmente invertida pela perversa lógica da audiência. Ao invés de se trabalhar uma programação para elevar o nível do telespectador, explora-se o cotidiano complicado e discrepante de identificação das pessoas com a própria realidade social. E corre-se em busca dos GRP que podem aumentar o valor financeiro do espaço comercial.

E aí vem o sofrimento do anunciante e de suas agências, quando têm que aplicar a verba analisando não só o GRP mas, principalmente, a audiência no perfil de público desejado. Como associar os atributos da marca a valores mais elevados e de qualidade, se a programação disponível nem sempre é coerente com o que se busca? Como optar entre programas concorrentes que repetem o mesmo modelo, no mesmo horário? Só pela audiência ou também pela qualidade? Até onde a presença da marca numa programação questionável vai levar a resultados empresariais esperados?

Portanto, meus amigos, não é de se estranhar que as emissoras de televisão estejam sofrendo perda de faturamento para alternativas de mídia. Cada leitor, com base no que foi escrito aqui, tem todo o direito a réplicas e discórdias. Mas com os argumentos apresentados, um bom escritor de ficção poderia até desenvolver uma bela história e concluir que tudo isso faz parte de uma grande armação de nossas empresas televisivas, formando um cartel para pasteurizar a programação e dividir um bolo sem grandes e novos investimentos de risco. Uma briga por diferenciação vai é gerar custos!

Vale o dito popular, "tudo como antes no quartel de Abrantes". Perde a criatividade, perdem os anunciantes e perde a sociedade por não ter prioridade na cultura e na educação. Fazer o que se o povo não foi preparado para cobrar coisa melhor que isso? Para que abdicar do formato pão e circo?