Concorrência aumenta a qualidade

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Será que a qualidade de serviços realmente aumenta com a concorrência? Será que os clientes de serviços têm poder para exigir qualidade? Qual a relação de causa e efeito nesse assunto?

Que a necessidade de associar uma real qualidade a produtos e serviços torna-se fundamental, isso ninguém mais contesta. É importante entender que não falamos só da qualidade percebida pelo cliente, muitas vezes criada com os recursos que o marketing fornece, mas a qualidade que é deliberadamente planejada e oferecida pela marca.

Esse questionamento aflorou quando, dias atrás, eu vivenciei uma série de experiências interessantes, ainda que em nada agradáveis. Imediatamente, lembrei-me de toda a discussão política, econômica e ideológica que cercou, entre outras coisas, a privatização das empresas de telefonia, a crescente abertura do mercado, a privatização das estradas, dos portos e o processo de fusões e aquisições de empresas, entre outras coisas.

Certamente, não vamos voltar a um debate como esse, pois nem faria sentido. Mas sempre se divulgou como referência que mais empresas atuando num setor trariam competição. E a competição iria trazer vantagens ao consumidor, tanto na queda de preços como em qualidade da prestação de serviços. Para convencer a sociedade e justificar mudanças, a imagem de ineficiência plena era o carimbo mais presente para as empresas públicas.

Pois bem, o tempo passou e hoje nos deparamos com o cenário em que grandes empresas foram incorporando menores, fruto da chamada globalização. Não vamos nem comparar o que acontece normalmente no Brasil com a compra que a Adidas faz da Reebok, por estratosférica cifra na casa dos bilhões. Vamos nos limitar a exemplos mais pontuais e singelos. 

Se há uma técnica muito eficaz para se questionar qualquer tese, essa é a do contra-exemplo. Quando algo deixa de ser verdade num universo pequeno, certamente não será uma verdade em todo o universo analisado. Vamos então procurar responder as perguntas que abriram o artigo? 

Eis uma rápida história. Fui a um dos shoppings mais sofisticados do Rio de Janeiro para resolver assuntos pessoais e, entre eles, fazer retirada de dinheiro num banco e pagamentos em três outros bancos diferentes. Em pleno início de mês, todos eles estavam abarrotados de clientes. Poucos caixas operando e simpáticas atendentes remetendo as pessoas para o auto-atendimento. 

Num dos bancos privados estavam funcionando apenas um caixa eletrônico para depósitos e dois para saques. Em outro, apenas dois caixas faziam depósitos (só um emitindo recibo). No terceiro, pior, apenas um. No Banco do Brasil os caixas estavam funcionando normalmente. Nos jornais, diariamente, lemos notícias de filas e casos de atendimento ruim. 

Curiosamente, os bancos privados são os que têm apontado mais lucros e se mostram líderes em campanhas publicitárias de produtos e serviços. O duro é lembrarmos que, até para respirar, já se paga taxas bancárias e outras tarifas. Posso afirmar que a situação não é, geralmente, muito melhor nas outras agências ou outras marcas bancárias. 

Na telefonia, nem é preciso comentar. A abertura trouxe ao mercado uma briga ferrenha entre as operadoras. Milhões são aplicados em campanhas, algumas consorciadas entre os vários atores, incluindo-se as fabricantes de aparelhos. Como resultado, ao contrário de um nível de felicidade nos clientes, o Procon tem nesse segmento econômico o maior número de queixas.

O pior é lembrar que ainda é cobrada a mesma tarifa básica que, no passado, servia para ampliar os investimentos na rede. E não vamos entrar no assunto das disputas econômicas e políticas que podemos ver nas altas esferas do poder. 

No caso da área elétrica, a Aneel já anunciou que as tarifas deverão crescer em até 10% para os consumidores, por conta de investimentos necessários a serem feitos na rede de distribuição de energia. A justificatica é a de que há locais no país onde não há rentabilidade na operação. Ora, mas esse já era o argumento que, no passado, explicava a rentabilidade limitada das empresas estatais! Agora mudou?

Depois de um processo de fusão e aquisição de supermercados, e da criação de marcas de lojas voltadas a atender diferentes segmentos do público, será que os consumidores estão felizes? Alguém viu mais qualidade e uma queda significativa de preços? E na aviação civil, fora os períodos pontuais de promoção, a competição efetivamente significa qualidade de atendimento e tarifas menores?

A melhor relação de preços e qualidade é o resultado que, sem dúvida, deve ser perseguido por qualquer empresa. Mas isso não decorre simplesmente de um discurso, de ações promocionais ou de uma ideologia econômica que enaltece a competição como panacéia universal. Qualidade com base no pragmatismo ou por obrigação não funciona. 

É importante que as autoridades mantenham uma fiscalização intensa, cada vez mais ajustada à legislação vigente. Por seu lado, a imprensa tem feito um papel preponderante ao dar visibilidade a problemas de atendimento em todos os setores da economia. Do lado do consumidor desanimado ou desrespeitado, resta reclamar ao Procon ou fazer valer a lei, dependendo do caso.