Da paixão e da loucura

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Recentemente, lancei o livro Paixão de Verão, editado pela Qualitymark. Várias pessoas demonstraram surpresa ao ver aquela casa, muito reconhecida pelas suas publicações afins com negócios e comportamento, apostando num tema tão diferente . Distribuidores, livrarias e leitores quiseram entender esse porquê e como!

Num primeiro instante, é curioso que pessoas envolvidas com a liberdade criativa e a geração de idéias e cenários, que um livro sempre se permite apresenta,r pudessem ter essa preocupação. Mas a resposta não poderia ser mais simples: quem é que nunca teve a sua atividade afetada ao viver um momento de paixão incontrolada? E quem trabalha estimulando emoções, como o profissional de Marketing e Comunicação, por acaso vai se sentir imune a tudo isso?

Pois os contos do livro trabalham com personagens de diferentes locais, posições sociais e atividades profissionais. Todos eles, envolvidos em tramas emocionais, vêem suas vidas modificadas pois a paixão ganha na prioridade. E ao escrever este artigo para a página da ABMN, lembrei-me de trazer algumas referências bem interessantes, e que reforçam tudo o que afirmei há pouco.

Quando ocorre a paixão, o corpo e a alma se misturam numa reação em cadeia, que nos leva à plenitude desejada por qualquer ser humano, mesmo que condenada a ter um fim, mais cedo ou mais tarde. Para não irmos tão longe na História, um racionalista como René Descartes já percebia a importância de se relacionar a natureza do homem com as paixões, quando citava que uma paixão para a alma reflete-se em uma ação para o corpo, sobre a qual não há controle racional.

Ainda que se analise a função do corpo e a da alma separadamente, é nas paixões que ambas se conjugam de maneira profunda. O brilhante pensador, já em sua época, via nossa alma diferentemente em relação aos estímulos racionais e às paixões. E alguém vai negar que esse cenário se reflete também na vida profissional?

Uma posição de Descartes foi a de discordar que a sede das paixões fica no coração. Ele argumentava que muitos pensavam assim pois as paixões se fazem sentir no coração mas, na realidade, resultam de estímulos físicos recebidos do cérebro. Para ele, o corpo e a alma ficam lutando um contra o outro, num estado apavorante que mistura ansiedade, espera, angústia e falta de explicação para o que se passa dentro do ser apaixonado. De novo, pode-se esquecer que esse cenário se reflete na vida profissional de um mortal?

A paixão carregada de desejo é a forma de Descartes definir a agitação da alma, a variação nos fluxos de sangue e ar dentro do corpo. Sua constatação mais precisa é a de que os principais sinais da paixão se refletem nos olhos e nas expressões do rosto, na mudança de cor de nossas faces e nossos lábios, nos tremores e na mudança de respiração, na languidez e solicitude, nos risos e lágrimas, nos gemidos e suspiros.

Descartes via como um remédio para a cura das paixões abster-se de julgamentos e distrair-se com outras coisas até que o tempo e o repouso pudessem apaziguar o corpo, trazendo a respiração e a circulação do sangue ao seu ritmo normal.

E para ele, sendo uma imprudência querer enfrentar um inimigo desigual, como se mostra a paixão extremada, o ideal seria não sentir desonra em efetuar uma honesta retirada de cena. E será que o apaixonado consegue abandonar a luta ou prefere arriscar na sua ousadia? E será que esses conceitos resistiram ao passar do tempo?

Stendhal, em uma frase brilhante, sintetizou que "a paixão só pode ser evitada no começo, e nela não pode haver ingratidão, pois o prazer atual sempre paga em excesso os sacrifícios maiores". Com isso, somos levados a entender que, na visão dele, viver uma paixão sempre "vale a pena". 

No livro "A loucura e as épocas", de Isaías Pessotti, as demonstrações de loucura foram analisadas ao longo dos séculos. E mostram como uma pessoa pode perder a autonomia e a racionalidade. De Homero (século V a.C.) até hoje, Pessotti percorre um caminho que se inicia com a seguinte frase: "Se entendermos a loucura como a perda da capacidade ou falência do controle voluntário sobre as paixões, uma história da loucura deve começar, praticamente, com a história da espécie humana."

Para todos os efeitos, as descrições apresentadas sobre a loucura também servem muito bem para exemplificar o comportamento do ser humano num momento de paixão, aí incluindo suas manifestações sensoriais, todas recheadas de desequilíbrios. 

Fica então à consideração de quem lê sobre a paixão, e particularmente conjugando minhas idéias às deDescartes, Stendhal e Pessotti, imaginar até que ponto muitos humanos apaixonados que viram seu cotidiano no trabalho ficar de "pernas para o ar", sem duplo sentido, possam ter sido tratados como loucos na história da humanidade.

E, certamente, eles perderam os seus empregos por excesso de atrasos ou faltas, por abandono ou, como nos dias atuais, por absoluta e total perda de produtividade! Ou alguém acredita que o apaixonado dá prioridade ao trabalho e cresce em desempenho?