O Código da Vinci e o Papa

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Escrevi esta crônica no primeiro final de semana do mês de Abril de 2005. Ela só trataria do famoso livro de Dan Brown e já estava pronta, quando surgiu a notícia da morte do Papa João Paulo II, no sábado à tarde. Então, decidi, incorporar um comentário adicional.

Para começar, tratemos do livro, um fenômeno de Marketing editorial no mundo inteiro. O que alguém, em sã consciência, poderia criticar numa publicação que, só no Brasil, está na casa de centenas de milhares de exemplares vendidos? Ou será que eu farei é um elogio à obra?

Pois bem, serão as duas coisas. Por um lado, o autor domina muito bem a retórica, dá uma velocidade gostosa no texto, adota palavras e idéias simples. As mudanças constantes de cenários e personagens ao longo dos capítulos, sempre deixando uma dúvida, mistério ou intriga a ser retomada à frente, tudo isso contribui para estimular a leitura.

Há outro elemento típico do que, até hoje, mostra-se prática vencedora no Marketing Político. É a que remete à combinação efetiva de várias verdades ou fatos, criando uma linha indiscutível de argumentação como comprovação de uma teoria. Que pode ou não ser conspiratória. Aliás, num trecho do livro, é lembrado ao leitor que a História que conhecemos é, em boa parte, a verdade contada pela versão dos vitoriosos.

O livro usa, à exaustão, conhecimentos de interessante referência da Biologia, Física e Matemática (sequência de Fibonacci, o número Phi), outros das artes (pinturas de grandes artistas, centros de cultura conhecidos, pessoas famosas), temas da História, da Religião e da Arqueologia. Tudo isso vem embalado numa linha bem montada de argumentação para a trama.

Com vários simbolismos aplicados a seu favor, o texto defende uma teoria fundamental: a Igreja, a partir de uma conspiração histórica, quer negar o conhecimento de uma verdade aos Cristãos. Verdade que tem sido protegida, árdua e incansavelmente, por remanescentes dos Templários. Mas não podemos nos esquecer que, associado a isso, os personagens analisam como as questões de sexualidade foram sendo manipuladas ao longo dos séculos.

Por outro lado, a ficção poderia ter uma condução mais interessante. Para quem como eu se apega aos detalhes de tramas policiais, da metade do texto para frente são tantos os "furos" que, no final, o desejo é que se acabem logo as quatrocentas e poucas páginas. Langdon é o herói fantástico e digno de ser confundido com James Bond. Que, por sinal, nós adoramos até pelo incrível jogo de estrepolias em cada uma de suas histórias.

Langdon é acordado no hotel à meia-noite e trinta e dois minutos. Toma banho, troca de roupa e é levado para acompanhar uma investigação no Museu do Louvre. Tem um bom tempo de conversa e olhares cruzados com o policial durão, esconde-se no banheiro, simula uma fuga, é preso por um guarda, depois é resgatado por uma policial (Sophie) que se junta ao herói, fogem de carro pelo centro de Paris e chegam à Gare de Saint-Lazare. Isso às 2:51h, ou seja, duas horas e meia depois. Ufa!

Mas a aventura continua. Langdon e Sophie tomam um taxi, atravessam Bois de Boulogne (com tempo para ele admirar as pessoas que vendem livremente seus corpos na noite parisiense). Chegam a um banco 24 horas, entram e têm que descobrir o número de uma conta bancária a partir de charadas. Felizmente, os Céus ajudam, eles conseguem identificar os doze dígitos da conta, seguem a rotina das máquinas automatizadas e resgatam uma caixa especial. Fogem da polícia com apoio do gerente do banco, que dirige um carro-forte por estradas e, depois, ficamos sabendo que o apoio do gerente foi para roubar a caixa especial dos heróis. Estes se livram do gerente e escapam... Ufa de novo!

Com o carro arrebentado em perigosas aventuras, o casal sai em busca de um conhecido professor (amigo de Langdon). Precisaram viajar por mais meia hora para chegar numa propriedade afastada, a sudoeste da cidade. Entram, aguardam o anfitrião, são bem recebidos, conversam, trocam erudição sobre o Santo Graal e o Priorado de Sião. Depois, são atacados por outro homem interessado em roubar a tal caixa misteriosa. Lutas, desespero, polícia rondando a casa e o roteiro mostra o grupo todo, com o ladrão, a fugir pelo mato num Land Rover. Ufa, terceira vez.

Se o leitor já se cansou, imagine agora que, com vários outras passagens para lá de incríveis, nossos empolgantes personagens pegam um jato particular e podem ver o Sol despontar radiante em ... Londres. Eles enganam a Interpol em pleno aeroporto. Fossem outras as idéias criativas do autor, a manhã londrina agora é banhada por raios solares. Isso em pleno mês de abril, quando clareia perto de seis horas da manhã.

Nesse ponto, já me sentindo um idiota em geografia e tempo, eu apenas quis completar a leitura para saber onde a ficção, com óbia falta de cronômetro, iria parar. Foi um final se graça e motivador de todas as contra-histórias que foram lançadas no mercado editorial. O comentário que se encerraria aqui, tem um complemento.

Na essência, o livro argumenta que a Igreja, para defender seus interesses, manipulou a verdade sobre Cristo ao longo dos tempos. E que, nesta virada de Século, os Templários programaram trazer a sua própria verdade ao mundo cristão. Seria Dan Brown um representante do grupo dos que querem evidenciar tal verdade? Ou, antes de tudo, ele é "apenas" um competente e esperto autor da ficção?

Este é um momento delicado no mundo. O mercado de apostas nos candidatos ao cargo ferve em Londres. Países católicos reverenciam a memória de João Paulo II enquanto outros, de linhas religiosas diferentes, não dão ao fato tanta divulgação. Há uma boa polêmica levantada por um livro vitorioso enquanto outras várias publicações questionam a abordagem. 

Parece que eles se portam como porta-vozes da tese central d'O Código da Vinci: a verdade escamoteada! Sem dúvida, os cardeais começaram uma verdadeira articulação global para a indicação do novo Papa. Sim, porque não se pode esquecer que a Igreja tem interesses econômicos e políticos que transcendem a espiritualidade. Fala-se que o escolhido deverá ser de uma linha mais pragmática e conservadora, na defesa dos dogmas seculares da fé cristã. Seguirá a postura de João Paulo II?

Uma conclusão é clara: O Código da Vinci será uma excelente referência de leitura aos profissionais do Marketing Político. Por outro lado, a sociedade quer mudanças nas relações com a Igreja, as quais o Papa deverá administrar. E apesar de erros na trama policial do texto que em si é vencedor, alguém acredita que a tese do livro será usada para explorar os conflitos internos da Igreja Católica?

O risco é que muitos poderão lembrar de um antigo ditado popular: onde há fumaça há fogo. Que Deus ilumine o novo Sumo Pontífice!

OBS: O Papa Bento XVI foi eleito para suceder João Paulo II.