O delírio da roqueira

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A pergunta não quer calar: será que Rita Lee precisava ser delirante para levar um grande público ao seu show do Rio de Janeiro?

Para quem não acompanhou o assunto, vai aqui um breve resumo do que aconteceu. Nestes dois próximos parágrafos estão apenas os fatos e, nos seguintes, vai a opinião do cronista. A roqueira lançou seu novo show, cujo título é Balacobaco, no Canecão-RJ. A mídia deu um grande destaque às provocações e críticas que a artista fez à cidade de São Paulo, mesmo sendo ela uma das referências requisitadas para as celebrações dos 450 anos da capital paulista. Com isso, e tendo uma polêmica cercando o show, o público cresceu e foi até programada uma apresentação extra, a qual contou com a presença de muitos artistas do círculo de amizades da extrovertida cantora.

Os comentários mais freqüentemente reproduzidos dizem que a Rita Lee afirmou, no palco, estar lançando o show no Rio de Janeiro porque São Paulo não tem artistas de prestígio, só a Hebe Camargo. Também disse que não aprova a cidade pintar de cinza a 23 de Maio, que lá também não se sabe bem organizar uma festa, isso entre outras. A platéia aplaudiu a irreverência, a provocação e a liberdade demonstradas pela artista. Qual a extensão "dessa verdade" eu não sei mas, qualquer que seja, o fato é que a mídia deitou e rolou... 

Infelizmente, parece que o Brasil não se livra das frases e atitudes oportunistas, sejam elas conscientes ou inconscientes. São referências que ferem a ética e os melhores valores que se deve preservar para um melhor relacionamento social. As pessoas não podem dar prioridade para os comentários galhofeiros, nem mesmo para sua porção voyeur. A frase histórica que ficou mais marcada no país é, sem dúvida, a da Lei do Gerson (aquele que tira vantagem em tudo...) e que colocou a imagem do excepcional jogador de futebol numa berlinda complicada.

Cada figura ilustre, em sua inocência ou mesmo num deslize, por vezes emite um conceito que vai ser reproduzido entre chacotas, brincadeiras e provocações. Nenhum Presidente da República escapa do cerco da mídia, sempre pronta a um registro marcante. Mas, quando tudo é planejado, afirmado e reafirmado com plena consciência, aí ninguém pode contestar: é apelação. 

Eu não fui ao show e, para ser franco, também não iria (independentemente de qualquer outra coisa). Acompanhei o assunto pelos jornais e revistas, bem como ouvi a opinião de quem esteve ali presente, de corpo e alma. O curioso é que eu não li nenhuma matéria jornalística que analisasse o tal do Bacalobaco pela sua qualidade artística, pelas músicas bem feitas ou por algum outro destaque musical. Parece que "o legal do show" é que a Rita Lee fala mal de São Paulo, e isso valoriza e dá vontade de ir ver...

Fosse um simples deslize inicial do primeiro dia de show e uma pessoa arrependida faria sua declaração se desculpando do acontecido. Mas, desde que isso gera filas e traz muita gente para o show, porque não aproveitar? Nada contra os fãs da roqueira, que estão certos em acompanhar o trabalho de quem eles gostam. Mas será que ela está precisando de polêmica para atrair público?

Pelo que parece, ela está revitalizando o "Marketing da Polêmica", apelido que estou dando para esse jeitinho de alguém atrair a atenção. Os compêndios e os livros não trazem esse verbete, prática que também pegou em Madona e Michael Jackson, como também em muitos outros atletas e artistas pelo caminho. A audiência cresce e os ganhos, então, nem se fale...Tudo por conta de uma provocação bem armada, mas que de alguma forma estará agredindo valores.

Acredito que o público e os amigos do artista delirante verão tudo isso com benevolência, encarando o fato como uma grande brincadeira. Você, profissional de comunicação, vá então aprendendo. A melhor maneira de alguém famoso aparecer não é só com a sua qualidade profissional, mas fazendo marola com afirmações e atitudes polêmicas. Do contrário, fica na mesmice. Parece, ao que tudo indica, que a ética e os bons costumes, entre eles o respeito pelas outras pessoas, estão moribundos...Afinal, esperam que não sejamos ranzinzas pois uma provocação ou brincadeirinha sempre vai bem!

E quando a Rita Lee estiver se apresentando em Sampa, será que o público vai bater palmas para a provocação que ela fez? Ou ela vai criar nova polêmica, agora com provocações ao povo carioca? Se a roqueira colocasse os latidos de seu cachorrinho fazendo segunda voz, em qualquer cidade onde se apresentar, daria até mais mídia e público...Afinal, o cãozinho já gravou disco com ela!

Um pesquisador da Fundação Getúlio Vargas divulgou um trabalho, recentemente, em que mostra que esse jeitinho brasileiro de levar a vida é cúmplice da malfadada corrupção, a qual deve ser frontalmente combatida. Para isso, a educação e a cultura são fundamentais, fazendo valer os bons costumes. Mas nem todo brasileiro leva isso a sério. No final, tudo sempre acaba em pizza, como mais uma das 45.800 que se consome por hora em São Paulo. Será que a ética, outra vez, continuará perdendo e o "Marketing da Polêmica" ganhando?

Rita Lee, velha roqueira, não se zangue comigo pelos comentários. Entenda como uma brincadeirinha de ocasião!